terça-feira, setembro 09, 2008

DOENÇAS DO SISTEMA CIRCULATÓRIO RELACIONADAS COM O TRABALHO


Apesar da crescente valorização dos fatores pessoais, como sedentarismo, tabagismo e dieta, na determinação das doenças cardiovasculares pouca atenção tem sido dada aos fatores de risco presentes na atividade ocupacional atual ou anterior dos indivíduos. Porém, o aumento dramático da ocorrência de transtornos agudos e crônicos do sistema cardio-circulatório na população tem feito com que as relações das doenças com o trabalho estejam merecendo maior atenção. Observa-se, por exemplo, que a literatura médica e a mídia têm dado destaque às observações quanto às relações entre a ocorrência de infarto agudo do miocárdio, doença coronariana crônica e hipertensão arterial com situações de estresse no trabalho e à condição de desemprego, entre outras.



  1. Nos Estados Unidos, estudos estimam que cerca de 1 a 3% das mortes por doença cardiovascular estejam relacionadas ao trabalho. Tem sido registrada a associação entre baixos níveis socio-econômicos e educacionais e o aumento da incidência de doenças isquêmicas coronarianas atribuída aos fatores psicossociais de estresse e aos fatores de risco pessoal, mas também a uma maior exposição a agentes químicos, como solventes e fumos metálicos.
    No Brasil, as doenças cardiovasculares representam a primeira causa de óbito, correspondendo a cerca de um terço de todas as mortes. A participação das doenças cardiovasculares na mortalidade do país vem crescendo desde meados do século XX. Em 1950, apenas 14,2% das mortes ocorridas nas capitais dos estados brasileiros eram atribuídas a molésticas circulatórias. Passaram a 21,5% em 1960, 24,8% em 1970 e 30,8% em 1980. Em 1990, as doenças cardiovasculares contribuíram com cerca de 32% de todos os óbitos nas capitais dos estados brasileiros. Além de contribuírem de modo destacado para a mortalidade, as moléstias do aparelho circulatório são causas freqüentes de morbidade, implicando 10,74 milhões de dias de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e representando a principal causa de gastos em assistência médica - 16,2% do total (Lotufo & Lolio, 1995).
    Entre as causas de aposentadoria por invalidez, os estudos disponíveis mostram que a Hipertensão arterial destaca-se em primeiro lugar, com 20,4% das aposentadorias, seguida dos transtornos mentais (15%), das doenças ósteo-articulares (12%) e de outras doenças do aparelho cárdio-circulatório, com 10,7%. Assim, as doenças cardiovasculares ocupam o primeiro e o quarto lugar de todas as causas de aposentadoria por invalidez, e juntas representam quase um terço de todas as doenças que provocam incapacidade laborativa total e permanente (Medina, 1986).
    A prevenção das doenças do Sistema Circulatório relacionadas com o trabalho está baseada nos procedimentos de Vigilância da Saúde dos trabalhadores - vigilância epidemiológica dos agravos à saúde e vigilância dos ambientes e condições de trabalho. Utiliza conhecimentos médico-clínicos, de antropologia, epidemiológia, da higiene ocupacional, toxicologia, ergonomia, psicologia, entre outras disciplinas, valoriza a percepção dos trabalhadores sobre seu trabalho e a saúde, e considera as normas técnicas e regulamentos vigentes. Estes procedimentos podem ser resumidos em:
    reconhecimento prévio das atividades e locais de trabalho onde existam substâncias químicas, agentes físicos e ou biológicos e formas de organização e relações de trabalho potencialmente causadores de doença;
    identificação dos agravos ou danos potenciais e reais para a saúde, decorrentes da exposição aos fatores de risco;
    identificação e proposição de medidas que devem ser adotadas para a eliminação ou controle da exposição aos fatores de risco e para promoção e proteção da saúde dos trabalhadores; e
    educação e informação dos trabalhadores.

    A partir da confirmação do diagnóstico da doença, e de sua relação com o trabalho, seguindo os procedimentos descritos no capítulo 2, os serviços de saúde responsáveis pela atenção aos trabalhadores devem implementar as seguintes ações:
    avaliação da necessidade de afastamento (temporário ou permanente) do trabalhador da exposição, do setor de trabalho ou do trabalho como um todo;
    se o trabalhador é segurado pelo SAT, da Previdência Social, solicitar a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT à empresa, preencher o Laudo de Exame Médico (LEM) da CAT e encaminhá-la à Agência do INSS. Em caso de recusa de emissão de CAT pela empresa, o médico assistente (ou serviço médico) deve fazê-lo;
    acompanhamento e registro da evolução do caso, particularmente se há agravamento da situação clínica com o retorno ao trabalho;
    notificação do agravo ao sistema de informação de morbidade do SUS e à Delegacia Regional do Trabalho. Dependendo do caso, é importante a notificação ao Sindicato ao qual o trabalhador é filiado;
    implementar as ações de vigilância epidemiológica visando a identificação de outros casos, através da busca ativa na mesma empresa ou ambiente de trabalho, ou em outras empresas do mesmo ramo de atividade na área geográfica; inspeção na empresa ou ambiente de trabalho de ordo paciente, ou em empresas do mesmo ramo de atividade, na área geográfica, procurando identificar os fatores de risco para a saúde e as medidas de proteção coletiva e equipamentos de proteção individual utilizados. Se necessário, complementar a identificação do agente (químico, físico ou biológico) e das condições de trabalho determinantes do agravo e de outros fatores de risco que podem estar contribuindo para a ocorrência; recomendação ao empregador quanto às medidas de proteção e controle a serem adotadas, informando sobre elas aos trabalhadores.
    As medidas de promoção e proteção da saúde e prevenção das doenças do Sistema Circulatório relacionadas com o trabalho estão baseadas, além da mudança para um estilo de vida mais saudável, em:
    adoção de práticas de uso seguro de substâncias químicas e de outros agentes agressores presentes no ambiente de trabalho; controle dos fatores relacionados à organização e gestão do trabalho geradores de estresse e de sobrecarga psicofisiológica.

    O controle da exposição a substâncias químicas e outros fatores de risco físico e mecânico deve ser feito partir de medidas de engenharia e higiene industrial, que incluem:
    substituição do agente, substância ou tecnologia de trabalho por outro mais seguro, menos tóxico ou lesivo;
    isolamento do agente físico, ou substância química, através de enclausuramento do processo, suprimindo ou reduzindo a exposição no tempo ou no espaço; adoção de medidas de higiene ocupacional como a implantação e manutenção de sistemas de ventilação local exaustora adequados e eficientes, capelas de exaustão, controle de vazamentos e incidentes mediante manutenção preventiva e corretiva de máquinas e equipamentos; monitoramento ambiental sistemático; adoção de sistemas operacionais e de trabalho seguros, como por exemplo a classificação e rotulagem das substâncias químicas segundo propriedades toxicológicas e toxicidade e sistemas de transporte adequados;
    diminuição do tempo de exposição e do número de trabalhadores expostos;
    facilidades para a higiene pessoal (instalações sanitárias adequadas, banheiros, chuveiros, pias com água limpa corrente e em abundância; vestuário adequado e limpo diariamente);
    informação e comunicação dos riscos aos trabalhadores; e
    utilização de equipamentos de proteção individual, especialmente óculos e máscaras adequadas a cada tipo de exposição, de modo complementar às medidas de proteção coletiva.

    As intervenções sobre a organização do trabalho são mais eficazes porém mais complexas, pois, geralmente entram em conflito com as exigências da produção. Os profissionais de saúde e os responsáveis pelo gerenciamento de recursos humanos nas empresas têm sido desafiados pela tentativa de reduzir o estresse, através de mudanças na forma de organização e gestão do trabalho, na direção de:
    propiciar maior autonomia aos trabalhadores sobre as formas de trabalhar;
    diminuir as pressões de ritmo e exigências de produtividade sobre os trabalhadores, com introdução de pausas em ambientes adequados;
    estabelecer o rodízio e enriquecimento das tarefas, nos trabalhos monótonos, isolados e repetitivos;
    reduzir e ou adequar os esquemas de trabalho e turno;
    aumentar a participação dos trabalhadores nos processos de decisão e gestão; e
    melhorar as relações interpessoais de trabalho, substituindo a competição pela cooperação .

    Também são importantes os procedimentos visando a identificação precoce dos problemas ou danos para a saúde decorrentes da exposição aos fatores de risco e o desenvolvimento de ações de promoção da saúde direcionadas a formação de hábitos de vida mais saudáveis. Na atualidade, particularmente no âmbito das grandes corporações, têm sido implementados programas denominados de Promoção da Saúde e Qualidade de Vida que buscam atuar sobre os fatores de estresse relacionado ao trabalho.
    A vigilância da saúde desenvolvida através dos exames pré-admissionais, períódicos e demissionais, que integram o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) visa a promoção da saúde e o diagnóstico precoce da doença, constituindo um momento privilegiado para orientação e troca de informações e conhecimento com os trabalhadores. Além do exame médico-clínico podem ser necessários exames complementares definidos a partir dos fatores de risco aos quais o trabalhador está exposto e a monitorização biológica das exposições.

    Para a avaliação médica da disfunção, deficiência e incapacidade para o trabalho provocadas pelas doenças cardiovasculares podem ser utilizados os critérios estabelecidos pela Associação Médica Americana (AMA), em seus Guides to the Evaluation of Permanent Impairment (4a. edição, 1995) que consideram as limitações que os sintomas impõem aos pacientes:
    Classe I: sem limitação da atividade física. As atividades usuais não produzem fadiga, dispnéia ou dor anginosa;
    Classe II: ligeira diminuição da atividade física. A atividade física habitual produz sintomas;
    Classe III: grande limitação da atividade. O paciente está bem, em repouso, porém a atividade física, menor que a habitual, produz sintomas; e
    Classe IV: incapacidade para desenvolver qualquer atividade física sem desconforto. Os sintomas podem estar presentes também em repouso.
    Embora existam critérios específicos para avaliação e estagiamento da disfunção ou deficiência produzida por algumas doenças cardiovasculares, como válvulopatias congênitas, doença coronariana, doenças do pericárdio, miocardiopatias, entre outras, a classificação genérica da AMA é suficiente para uma primeira abordagem da questão, podendo ser aperfeiçoada pela contribuição do especialista em Cardiologia, e em outras áreas conexas.
    Considerando a possibilidade da morte precoce, o sofrimento e limitações impostas aos pacientes e o custo social representado pelas aposentadorias precoces, as despesas com cuidados especializados de saúde, alguns envolvendo procedimentos caros, de alta complexidade destaca-se a importância das ações de promoção e prevenção dessas doenças.

    14. 2 Bibliografia consultada e leituras complementares recomendadas
    ANDRADE FILHO, A.& SANTOS JR., E.A. - Aparelho cardiovascular. In: MENDES, R. (Ed.) - Patologia do Trabalho. Rio de Janeiro, Atheneu, 1995. p.311-28.
    CHOR, D. - Perfil de Risco Cardiovascular de Funcionários de Banco Estatal. São Paulo, 1997. [Tese de Doutoramento, Faculdade de Saúde Pública da USP].
    CHOR, D.; FONSECA, M.J.M. & ANDRADE, C.R. - Doenças cardiovasculares: comentários sobre a mortalidade precoce no Brasil. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 64(1):15-9, 1995.
    ILO – Encyclopaedia of Occupational Health and Safety. 4th ed. Geneva. ILO. 1998.
    KRISTENSEN, T.S. - Job stress and cardiovascular disease: A theoretical critical review. Journal of Occupational Health Psychology, 1(3):246-60, 1996.
    KRISTENSEN, T.S. & MANCILLA-CARVALHO, J.J. - Ambiente, condições de trabalho e doenças cardiovasculares. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 55(4):223-6, 1990.
    LEVY, B. S. & WEGMAN, D. H. – Occupational Health: Recognizing and Preventing work-Related Disease and Injury. 4th ed. Philadelphia. Lippincott Williams & Wilkins, 2000.
    LOTUFO, P.A. - Epidemiologia das doenças isquêmicas no Brasil. In: LESSA, I. (Ed.) - O Adulto Brasileiro e as Doenças da Mortalidade. São Paulo, Hucitec-Abrasco, 1998. p. 115-22.
    LOTUFO, P.A. & LOLIO, C.A. - Tendências de evolução da mortalidade por doenças cardiovasculares: O caso do Estado de São Paulo. In: MONTEIRO, C.A. (Org.) - Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil: A Evolução do País e de suas Doenças. São Paulo, Hucitec/NUPENS/USP, 1995. p. 279-88.
    MEDINA, M.C.G. - A Aposentadoria por Invalidez no Brasil. São Paulo, 1986. [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Saúde Pública da USP].
    ROSENMAN, K. D. – Occupational Heart Disease. In: ROM, W. N. (Ed.) – Environmental & Occupational Medicine. 3rd ed. Philadelphia. Lippincott-Raven, 1998. p. 733-41.
    THÉRIAULT, G.P. Cardiovascular Disorders. In: LEVY, B.S. & WEGMAN, D.H. (Editors). Occupational Health - Recognizing and Preventing Work-Related Disease. Boston/New York/Toronto/London: Little, Brown and Company. 1994. 3rd ed. P. 563-573

    WAISSMANN, W. - O Trabalho na Gênese das Doenças Isquêmicas do Coração. Rio de Janeiro, 1993. [Dissertação de Mestrado, Escola Nacional de Saúde Pública/ FIOCRUZ)

    Lista de Doenças do Sistema Circulatório Relacionadas com o Trabalho segundo a Portaria MS Nº. 1339/GM, de 18 de novembro de 1999
    Hipertensão Arterial e Doença Renal Hipertensiva ou Nefroesclerose Relacionadas com o Trabalho (I10 e I12)
    Angina Pectoris Relacionada com o Trabalho (I20)
    Infarto Agudo do Miocárdio Relacionado com o Trabalho (I21)
    Cor Pulmonale Crônico ou Doença Cardiopulmonar Relacionado com o Trabalho (I27.9)
    Placas Epicárdicas e/ou Pericárdicas Relacionadas com o Trabalho (I31.8)
    Parada Cardíaca Relacionada com o Trabalho (I46)
    Arritmias Cardíacas Relacionadas com o Trabalho (I49)
    Aterosclerose e Doença Aterosclerótica do Coração Relacionadas com o Trabalho (I70 e I25.1)
    Síndrome de Raynaud Relacionada com o Trabalho (I73.0)
    Acrocianose e Acroparestesia Relacionada com o Trabalho (I73.8)

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