terça-feira, novembro 04, 2008

O Nascimento da Inspeção do Trabalho


A intervenção do poder legislativo na Grã-Bretanha, no domínio da protecção social dos trabalhadores (incluindo a segurança, higiene e saúde no trabalho, abreviadamente, SH&ST), remonta ao princípio do Sec. XIX, e é devida, não tanto à luta organizada do movimento operário (que ainda não existia, a não ser sob formas selvagens, isoladas, esporádicas ou incipientes), como sobretudo por influência de reformadores sociais, empregadores filantrópicos, médicos humanistas, escritores e políticos liberais, etc.

A este respeito poderiam citar-se nomes como Samuel Greg (1758-1834), Thomas Percival (1740-1804), Robert Peel, o pai de Sir Robert Peel (1788-1850) - este último mais conhecido por ter sido o fundador do moderno partido conservador inglês, Robert Owen (1771-1858), Michael Sadler (1780-1835), Anthony Ashley Cooper (1801-1885), Robert Baker (1803-1880), Charles Dickens (1812-1870) e tantos outros.

Em todo o caso, à intervenção do legislador social em pleno triunfo do Estado liberal também não é estranha a pressão dos segmentos da opinião pública mais esclarecidos e influentes, chocados com a revelação de uma nova classe de escravos, o proletariado, e sobretudo com a condição das mulheres e crianças nas mills (estabelecimentos fabris da indústria têxtil algodoeira com as primeiras máquinas movidas a energia hidráulica) do Nordeste de Inglaterra e nas minas de carvão do País de Gales. E, talvez mais do que chocada, preocupada com os novos riscos de epidemia e de propagação (potencialmente incontrolável) de doenças que a vizinhança das fábricas e dos dormitórios operários podia trazer às comunidades locais.

"Insanitary conditions in factories and the dormitories attached to them introduced a risk of infectious disease. Influential people in the vicinity of the factories feared that the mills might be a source of contagion to themselves. Thomas Percival (1740-1804), a Manchester physician called in by the people of Ratcliffe in Lancashire to investigate an epidemic of typhus, went beyond his original remit and produced a report on hours of work and conditions of young persons. This report influenced Sir Robert Peel (Snr), a mill owner, to introduced into the British House of Commons the first Factory Bill which became the famous Health and Morals of Apprentices Act of 1802" (Schilling, 1973, pp.7-8. Itálicos nossos).

Aquele que é considerado o primeiro diploma da era industrial relativo à protecção dos trabalhadores não teve efeitos práticos por falta de instrumentos para a sua aplicação efectiva. Não estabelecia restrições quanto à idade mínima de admissão, embora viesse limitar a um máximo de doze as horas de trabalho diário, proibir o trabalho nocturno e ordenar a limpeza das paredes dos estabelecimentos fabris duas vezes por ano bem como a ventilação dos dormitórios.

Mesmo assim, é considerado como um marco na história da legislação do trabalho, numa época em que aos assalariados era negado o simples e elementar direito de associação (Combinations Acts, 1780, 1799, 1825):

Recorde-se que só em 1871 é reconhecida, em Inglaterra, a existência legal das trade-unions;

Em Portugal, o direito de associação de classe é só consagrado em 1891 (Lei de 9 de Maio); mas só em 1907 é reconhecida a liberdade de associação sem autorização prévia (Lei de 14 de Fevereiro).

Na lei de 1802 estava já contida, em embrião, a figura do inspector do trabalho. De facto, previa-se já a criação de um sistema local de inspecção voluntária das fábricas e oficinas, composto por clérigos e magistrados (the visitors).

Esse sistema nunca chegou verdadeiramente a funcionar. É, em todo o caso, a primeira tentativa de intervenção do Estado no domínio da protecção dos trabalhadores, quebrando o tabu do laissez faire, laissez passer e pondo em causa o mito do livre contrato de trabalho.

Em 1802 procurava-se, pela primeira vez, definir por via da lei o que era um dia normal de trabalho. Com o aparecimento da grande indústria nas últimas três décadas do Séc. XVIII em Inglaterra, passou-se a trabalhar para além dos limites do dia natural das 12 horas. No princípio do Séc. XIX, era vulgar homens, mulheres e crianças trabalharem catorze ou mais horas por dia, durante seis dias por semana! Tratava-se de um retrocesso em relação ao tempo de trabalho dos antigos artesões e à regulamentação aceite pelas respectivas corporações de ofícios.

Citando Paul Lafargue (1971, pp. 53-54), em França, durante o Antigo Regime, "as leis da Igreja garantiam ao trabalhador 90 dias de descanso" por ano (52 domingos e 38 feriados, "durante os quais era estritamente proibido trabalhar".
E acrescenta, ironicamente, o autor de O direito à preguiça:

"Isso constituía o grande crime do catolicismo, a causa principal da irreligião da burguesia industrial e comerciante. A partir do momento em que a Revolução [de 1789] foi definitivamente instaurada, os dias feriados foram abolidos e a semana de sete dias substituída pela de dez, o que veio a libertar os operários do jugo da Igreja para melhor os submeter ao jugo do trabalho" .


A lei de 1802, de resto, não incomodou os parlamentares ingleses, muitos deles poderosos empregadores, proprietários de terras (landlords), minas ou mills, que logo se encarregaram de a contornar: uma vez que ela se referia apenas aos aprendizes (uma reminiscência do sistema das corporações de ofícios medievais, abolido pela Revolução Francesa mas ainda em vigor na Grã-Bretanha), do seu âmbito ficavam de fora as chamadas free children.

Robert Peel passaria, entretanto, à história como the father of industrial legislation (segundo o clássico Hunter’s Occupational Diseases, na sua Section 1 - History, revista por Murray, 1987, p. 115), depois de ainda tentar em 1815 apresentar, embora em vão, um nova proposta legislativa que, além dos aprendizes, abrangia todos os menores:

Impunha-se como idade mínima para trabalhar nas fábricas os dez anos de idade e como jornada de trabalho máxima as dez horas, uma proposta demasiado radical para a época e obviamente inaceitável para os novos capitalistas industriais;

A composção da Câmara dos Comuns era claramente hostil a estas tentativas de reforma e o máximo que Peel e os seus apoiantes conseguiram foi a criação de sucessivas comissões para estudar o problema e adiar a sua solução.

Também é desta época a generalização do vapor em substituição da água como força motriz. Até então as manufacturas situavam-se junto às fontes de água, espalhadas por montes e colinas, ou junto às margens dos rios (daí a designação de mills ou moínhos). Exigiam, além disso, abundante mão-de-obra infantil que era recrutada maioritariamente nas workhouses (as chamadas pauper children).

Com a progessiva generaliação da máquina a vapor e do tear mecânico, a indústria (têxtil) passa a concentrar-se nas proximidades dos centros populacionais e, por conseguinte, a poder recrutar como mão-de-obra as free children (assim chamadas por oposição às pauper children) que viviam nas imediações e que passaram a ser duplamente exploradas (pelos pais e pelos empregadores).

Só com o Factory Act of 1819 é que se começou timidamente, e no meio de grande oposição dos empregadores, a alargar a regulamentação do trabalho infantil: na sequência das propostas de Robert Peel, a idade mínima de admissão passava teoricamente a ser de 9 anos, a jornada de trabalho não podia exceder as nove horas para as crianças e adolescentes entre os 9 e os 16 anos, com meia hora de intervalo para uma refeição... De qualquer modo, a lei só era aplicável ao sector algodoeiro (ou seja, aos cotton mills).

Entre 1802 e 1833, o Parlamento inglês promulgou nada menos do que cinco leis sobre o trabalho fabril que não passaram de letra morta. 1819 é, entretanto, uma data importante na história do movimento operário inglês:

É desse ano que datam as primeiras reivindicações políticas e sociais dos trabalhadores ingleses, por ocasião das manifestações de massa em Manchester;

Seis anos depois, em 1825, é abolida a proibição do direito de associação e surge a primeira onda grevista.

Apesar de alguns reveses, começam a aparecer as primeiras associações com vista à defesa dos direitos dos operários ingleses, ainda em parte sob a influência do pensamento interclassista e cooperativista de Robert Owen (Report to the Country of Lanark, 1820):

Grand Union of Spiners (1829);

National Association for the Protection of Labour (1830);

Grand National Consolidated Trades Union (1834).

No entanto, "foi só a partir do Factory Act de 1833, visando as manufacturas de algodão, lã , linho e seda, que foi fixado para a indústria moderna um dia normal de trabalho", escreve Karl Marx em O Capital (Marx, 1974, p. 173).

Em 1831, Michael Sadler (1780-1835), deputado por Leeds (o grande centro algodeiro da Inglaterra) e líder do movimento para a reforma do trabalho fabril, apresentava no Parlamento a proposta de lei que iria dar origem ao Factory Act of 1833 e à criação do Factory Inspectorate com vista ao controlo da idade de admissão.

Curiosamente, é esta questão (a certificação da idade mínima para o trabalho fabril) que irá abrir, mais tarde, as portas das fábricas aos médicos por imperativos legais:

"The Factory Act of 1833 [ "An act to regulate the labour of children in the mills and factories of the United Kindgom"] introduced two fundamental innovations: the appointment of Factory Inspectors and the necessity of certification by a medical man that child seemed by its strength and appearance to be at least 9 years old, the age below which employment was prohibited in textile mills";


"Later, the Act of 1844 gave Inspectors powers to appoint Certifying Surgeons in each district to introduce more uniformity into certification and prevent parents taking their children from one doctor to another until they got a certificate";


"With the advent of birth registration in 1837, age certification by the Surgeons became redundant. The Factory Act of 1855 gave them new duties: (i) to certify that young persons were not incapacitated for work by disease or bodily infirmity; and (ii) to investigate industrial accidents";

"Thus, a rudimentary industrial medical service, the first of its kind, was introduced by law in Great Britain" (Schilling, 1973, p. 11. Itálicos nossos).

A análise dos acidentes de trabalho e os exames de admissão são, em todo o caso, duas funções originais e primordiais, atribuídas aos industrial medical officers) a partir de 1855. Mas em rigor não podemos ainda falar de médicos do trabalho.

Quanto à regulamentação do dia de trabalho (que resultou do Factory Act of 1833, aprovado pelo Parlamento já depois da saída de Sadler), poderíamos resumi-la nestes termos:

O dia normal de trabalho na fábricas devia começar às cinco e meia da manhã e acabar oito e meia da tarde;

Dentro dos limites deste período de quinze horas, estava autorizado o emprego de adolescentes (isto é, indivíduos entre os 13 e os 18 anos) durante o dia;

Excepto em certos casos especiais e previstos na lei, os adolescentes não poderiam trabalhar mais de 12 horas por dia;

O emprego de menores abaixo dos 9 anos ficava interdito;

O trabalho de menores entre 9 e 13 anos ficava limitado a oito horas por dia;

O trabalho nocturno (ou seja, entre as oito e meia da noite e as cinco e meia da manhã) ficava interdito a todos os menores entre os 13 e 18 anos;

Cada adolescente passava a ter, em cada dia, pelo menos hora e meia para as refeições.

Este diploma, que é um marco de referência na história do direito do trabalho, tinha sido exaustivamente preparado por Sadler e por uma comissão parlamentar que, sob a sua presidência, se reuniu cerca de 40 vezes e ouviu inúmeros testemunhos, desde peritos médicos, empregadores e encarregados até crianças e adultos, vítimas de acidentes de trabalho (Caixa 1).

Caixa 1 - Report of Commissioners on the Employment of Children in Factories (1833) (Excertos) (a):

"In England, in the north-eastern district, in a few factories the regular hours of labour do not exceed eleven. In general, both at Leicester and Nottingham, they are not less than twelve. "Eleven hours is called a day at Leeds;" but it is seldom that in this district the hours are really less than twelve, while occasionally they are thirteen. In Manchester the regular hours of work are twelve (...)";
"The present inquiry has likewise brought together a large body of evidence relative to those various circumstances connected with the state of factories which concur with the nature of the employment in exerting an important influence on the health of the workpeople, whether children or adults, but which more especially affects the health of the former";
"Such concurrent circumstances are, the situation of the factory, the state of the drainage about the building, the size and height of the workrooms, the perfect or imperfect ventilation, the degree of temperature, the nature and quantity of the effluvia evolved, whether necessarily or not necessarily, in the different processes of manufacture, the conveniences afforded to the work-people for washing, and changing their clothes, on leaving the factory, and the habitual state both of the factory and of the operatives as to cleanliness (...)";
"In relation to all those circumstances, the Reports of the Commissioners agree in showing that the large factories, and those recently built, have a prodigious advantage over the old and small mills. The working-rooms in the large and modern buildings are, without exception, more spacious and lofty; the buildings are better drained; more effectual expedients are adopted to secure free ventilation and to maintain a more equable and moderate temperature"
(a) Fonte: Citado por Microsoft Encarta Enciclopedia Deluxe 2000 (Article on Child Labour, Disc1).


O Factory Act of 1833 teve os seus inevitáveis efeitos preversos, como consequência da reacção dos industriais. Entre esses efeitos, poderia mencionar-se a criação do trabalho por turnos:

"Sob o nome de sistema de turnos ('system of relays', que designa em inglês e em francês a muda de cavalos das diligências em diferentes estações), foi então executado este plano [o emprego de uma dupla série de menores], de tal modo que das 5 e meia da manhã até à 1 e meia da tarde um turno de menores entre 9 e 13 anos foi atrelado ao trabalho, outro turno desde a 1 e meia da tarde até às 8 e meia, e assim sucessivamente" (Marx, 1974, p.173).

Apesar do seu pioneirismo, a lei de 1833 encontrou sérias dificuldades na sua aplicação, dado a escassez dos meios atribuídos à recém-criada inspecção do trabalho e sobretudo devido à contra-ofensiva dos empregadores.

Sadler, que morreu prematuramente aos 55 anos, viu o seu trabalho ser continuado pelo seu amigo Anthony Ashley Cooper, Lord Ashley (mais tarde 7º conde de Shaftesbury) (1801-1885), que o sucedeu como líder parlamentar do labour reform movement e que obteve alguns sucessos legislativos notáveis nos anos de 1840.

Curiosamente, estes avanços legislativos são protagonizados por homens que estão mais próximos dos conservadores (os tories) do que dos liberais (os antigos whigs), ou seja, em termos simplistas, mais próximos da velha aristocracia (latifundiária, que era o caso típico de Lord Ashley) do que da nova burguesia (industrial). Em todo o caso, eles só são possíveis no contexto da reforma do sistema eleitoral (Reform Bill, 1832) e de outras mudanças políticas que se operam na Grã-Bretanha nas décadas de 1830 e 1840, incluindo o movimento dos liberais radicais que ficou conhecido por cartismo (People's Charter, 1838) e dos movimemntos grevistas de 1842.

Voltando à legislação laboral da Grã-Bretanha vitoriana —a Rainha Vitória é coroada em 1837 e reinará até 1901 (!)—, só em 1847 é que é promulgado o Ten Hour Act, culminando assim uma longa batalha de quase duas décadas pelo horário de trabalho de dez horas (Essa batalha ficará conhecida pelo Ten Hour Mouvement).

Essa lei tornou-se possível graças à aliança (tácita) da burguesia industrial com a classe operária, em oposição à aristrocracia latifundiária. Em troca da jornada das dez horas de trabalho, as classes trabalhadoras apoiavam os esforços dos representantes do capitalismo para abolir a protecção cerealífera (o que, por sua vez, era contrário aos interesses dos landlords e dos rendeiros capitalistas). A abolição das taxas alfandegárias sobre os cereais deu-se em 1846.

Daí também o aditamento ao Factory Act de 1844 que veio pôr "sob a protecção da lei uma nova categoria de trabalhadores: as mulheres com menos de 18 anos" (Marx, 1974, p. 175): igualadas aos adolescentes, o seu trabalho foi limitado às 12 horas, sendo-lhes interdito trabalhar à noite.

Além disso, com a lei de 1844, o trabalho de menores de 13 anos ficava reduzido a 6 horas e meia durante o dia. E para evitar os abusos do system of relays, introduzia-se o relógio na fábrica, regulado pela hora de um relógio público (por ex., o da estação de caminho de ferro mais próxima).

A pouco e a pouco, o dia de trabalho de 12 horas passava a ser norma também para os adultos, já que em muitas indústrias eles estavam dependentes do trabalho dos menores e das mulheres.

"Estas minúcias, que regulam militarmente e ao som da sineta o período, os limites e as pausas de trabalho, não foram de modo algum o produto da fantasia parlamentar. Nasceram das circunstâncias e desenvolveram-se pouco a pouco, como leis naturais. Foi preciso uma longa luta social entre as classes, antes de serem formuladas, reconhecidas e promulgadas em nome do Estado" (Marx, 1974, p. 176).

Apesar dos progressos legislativos, havia patrões, pais e médicos que continuavam a alimentar a cadeia da exploração do trabalho infantil. Por exemplo, era vulgar na época aparecerem anúncios, nos jornais, com oferta de emprego como este: "Precisa-se de 12 a 20 rapazes que não pareçam mais novos do que 13 anos. Salário: 4 xelins por semana (...)" (cit. por A. Redgrave, Reports of Inspection of Factories, in Marx, 1974, p. 247).

É interessante transcrever o comentário do autor de O Capital (I vol., Capº XV- O maquinismo e a grande indústria):

"A frase que não pareçam mais novos do que 13 anos' relacionava-se com um artigo da lei que proibia trabalharem mais de 6 horas crianças com menos de 13 anos. Um médico adhoc está encarregado de verificar a idade. Portanto, o fabricante pede rapazes que tenham aspecto de já ter 13 anos. A estatística inglesa dos últimos vinte anos demonstrou uma diminuição súbita do número de crianças com menos desta idade, empregadas nas fábricas. Segundo depoimentos dos inspectores, esta dimunuição era em grande parte obra do sórdido tráfico dos pais, protegidos pelos médicos verificadores que exageravam a idade das crianças para satisfazer a avidez da exploração capitalista" (Marx, 1974, p. 247)




Entretanto, com o novo Factory Act de 1847 o dia de trabalho ficava, provisoriamente, reduzido a 11 horas para os menores entre os 13 e os 18 anos e para as mulheres, a partir de 1 de Julho de 1847 e a 10 horas, definitivamente, a partir de 1 de Maio de 1848.

Em 1850, face às dificuldades de aplicação da lei de 1847, o parlamento inglês selou um compromisso entre fabricantes e operários:

O dia de trabalho passou de 10 para 10 horas e meia de segunda a sexta-feira e restringia-se a 7 horas e meia aos sábados para os adolescentes e as mulheres;

O trabalho começava às 6 horas da manhã e terminava às 6 da tarde, com pausas de hora e meia para as refeições;

O sistema de turnos era abolido definitivamente;

O trabalho infantil regia-se pela lei de 1844.

Refira-se, a talho de foice, que em Portugal será preciso esperar 60 anos (!) para ver consagrado pela primeira vez o princípio geral da obrigatoriedade do descanso semanal para o comércio e a indústria (24 horas consecutivas em cada semana, devendo coincidir em geral com o domingo) (Decreto de 3 de Agosto de 1907). Quanto ao limite legal das 10 horas de trabalho diário, só será imposto em 1891.

O historiador W. Abendroth (1973, pp. 23-24 ) resume nestes termos o contexto em que se verificaram os progressos alcançados pelos trabalhadores ingleses no plano da legislação laboral:

"Desde hacía mucho tiempo, el 'bill' de las diez horas era la meta económica de los sindicatos y de los cartistas y la ley de 1847, que limitó por fin la jornada laboral a diez horas, fue el resultado de la última ola de actividad cartista de masa, que, por cierto, se extinguió poco después del fracaso de las grandes manifestaciones de abril de 1848 y de la malograda revolución en el continente ese mismo ano" (pp. 23-24);
"(...) Los dos avances del movimiento obrero inglés entre las dos revoluciones de 1830 y 1848 proporcionaron también a los obreros del continente el esquema para sus luchas.Los obreros ingleses habían aportado con sus éxitos la prueba concreta de la posibilidad de obligar al poder público, con la acción del proletariado, a intervenciones politicosocailes, de obtener concesiones salariales con la lucha directa sindical y de elevar el nivel de vida y de cultura de la clase obrera, en contra las tendencias - 'naturales'- a depauperar a las masas" (p. 24);
Com a rápida desintegração do movimento cartista, depois de Julho de 1848, os trabalhadores ingleses perderam também "por muchos años un movimento político independente" (p. 25).




A pouco e pouco, e ao longo da segunda metade do Sec. XIX, os sucessivos Factory Acts irão, contudo, estenderam-se a todos sectores industriais, reforçando o princípio do controlo das condições de trabalho (ou, pelo menos, de algumas das mais chocantes). Refira-se, entre outras, o Factories and Workshops Act of 1867.

Não se pense, todavia, que esta legislação social avançava a passos de gigante: para além da falta de meios para a sua implementação efectiva, estavam em jogo poderosos interesses. Não admira, por isso, que em 1878 ainda se ande às voltas com a idade mínima de admissão nas fábricas e com a duração do trabalho semanal (cento e anos depois, a tendência na Europa será ainda para a redução do tempo de trabalho, mas agora para as... 35 horas!):

Os dez anos passam então a ser a idade nínima para o trabalho;

Restringe-se o trabalho das crianças dos 10 aos 14 anos a dias alternados ou a meios dias, de modo a poderem frequentar a escola;

Ao sábado passe-se a trabalhar ao sábado apenas de manhã;

O dia de trabalho não deve ultrapassar as 12 horas para os jovens entre os 14 e os 18 anos, com duas horas para descanso e refeições...

Entretanto, no plano dos direitos políticos, as conquistas vão ser mais lentas: de facto, é só com com a reforma eleitoral de Disraeli (1867) e com a reforma parlamentar de Gladstone (1884), que a maioria dos operários ingleses (urbanos e rurais) obtém o direito de voto...

Nos restantes países, a situação não era melhor:

Só depois da revolução de fevereiro de 1848, é que foi consagrada a lei das doze horas de trabalho diário em França, embora "muito mais defeituosa do que o original inglês" (Marx, 1974, p. 186);

Em 1864 nascía, em Londres, a Associação Internacional dos Trabalhadores; no seu primeiro congresso público (Genebra, 1866), a I Internacional (que ira durar até 1876) passa a reivindicar as oito horas como o limite legal do dia de trabalho;

Só em 1900 o Congresso dos EUA veio proibir o emprego de menores, largamente difundido até então nos diversos estados;

Dez anos antes, a Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Berlim (1890) constituía o primeiro esforço sério e concertado de uns tantos países ocidentais (Portugal incluído) para regulamentar o trabalho infantil e, em última análise, criar um direito internacional do trabalho.

Em Portugal, é também nessa época que se dá início a uma produção legislativa específica no campo do direito do trabalho: Entre outros, Decreto de 10 de Fevereiro de 1891 que vai disciplinar o trabalho de mulheres e de menores, limitar a 10 o nº de horas de trabalho, fixar a idade mínima de admissão e proibir certos trabalhos penosos ou perigosos nos estabelecimentos industriais (Diploma regulamentado por decretos de 14 de Abril de 1891 e 1 de 16 de Março de 1893).



A legislação laboral inglesa de 1833 não se aplicava às minas de carvão (!) onde o emprego de crianças com menos de sete anos era frequente. O Children’s Employment Commission, First Report, 1842, teve um grande impacto na opinião pública da época. A ele ficará ligado o nome de Anthony Ashley-Cooper, sétimo conde de Shaftesbury, já atrás referido.

Apesar da grande oposição dos proprietários das minas de carvão, representados na Câmara dos Comuns, o Mines Act of 1842 marca o início de uma legislação que introduziu o princípio da intervenção do Estado num sector de actividade que foi, também ele, fundamental para o processo de industrialização da Inglaterra e que virá a ser nacionalizado após a II Guerra Mundial (Coal Industry Nationalization Act, 1946) até ser praticamente desmantelado nos anos de 1980 durante o governo de Margaret Tatcher.

Facto relevante, em 1842 o emprego de mulheres e de raparigas nas minas subterrâneas passava a ser legalmente proibido, enquanto aos rapazes era exigida a idade mínima de 10 anos.

O sector mineiro era então altamente gravoso para a saúde e segurança dos trabalhadores:



De acordo com o First Report on Children's Employment in Mines, de 21 de Abril de 1829 (cit. p/ Marx, 1974, pp. 204-205), "... grande parte das minas [ é] equipada com os mais imperfeitos sistemas de drenagem e de ventilação que se possam imaginar; muitas vezes as fossas são mal construídas, os madeiramentos maus, os mecânicos incapazes, as galerias mal abertas e mal arranjadas, as vias de rolamentos mal colocadas; e esta situação provoca perdas de vidas humanas, mutilações, doenças, cuja estatísticas forneceria uma imagem aterrorizadora".


Acrescenta Marx: "Em 1860 ainda morriam em média quinze homens por semana nas minas inglesas. Segundo o relatório sobre os acidentes nas minas de carvão (6 de Fevereiro de 1862) morreu um total de 8466 pessoas no decénio 1852-61 [ representando 847 acidentes mortais em média, por ano ]. Mas este número é demasiado baixo, como o próprio relatório diz, porque nos primeiros anos, quando os inspectores acabavam de ser colocados no seus cargos e as suas circunscrições eram demasiado extensas, não era declarada uma grande quantidade de acidentes e de mortes. Apesar da insuficiência numérica e dos fracos poderes dos inspectores, o número de acidentes diminuiu muito após a organização da inspecção - e contudo continua uma verdadeira matança. Estes sacrifícios de vidas devem-se, na maior parte, à avareza sórdida dos proprietários das minas que muitas vezes mandavam abrir só um poço, de modo que não existia ventilação suficiente nem saída possível se aquela ficasse obstruída" (Itálicos nossos).

Trata-se de um clássico exemplo daquilo a que os marxistas designam como a "economia das condições de trabalho" e que hoje é considerada como uma forma de "dumping social". Uma forma de exploração dos trabalhadores que, de resto, está longe de vir a ser irradicada: pelo contrário, tenderá a agravar-se com a globalização da economia.

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