terça-feira, novembro 24, 2009

Doença ocupacional e Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP)

Com o advento da MP 316/06, posteriormente convertida na Lei 11.430/2006, o legislador introduziu significativa modificação no sistema de prova do acidente do trabalho ao criar o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP. Para tanto o legislador inseriu novo artigo à Lei 8213/91, in verbis:


Art. 21-A: A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.


§ 1.º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

§ 2.º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.

Doravante, a abordagem passa de um viés individual para uma abordagem coletiva, vez que o critério para definir o nexo causal da doença ocupacional passa a levar em conta dados estatísticos epidemiológicos. A expressão “epidemiologia” significa aqui o estudo interdisciplinar dos fatores que influenciam na proliferação de doenças e sua distribuição sobre determinada população. Verifica-se, portanto, que o novo NTEP aplica-se apenas para fixar o nexo causal das doenças ocupacionais, sendo impertinente para os chamados acidentes típicos.

O NTP (Nexo Técnico Previdenciário) resulta do cruzamento do diagnóstico médico enquadrado na CID (Classificação Internacional de Doença) com a ocupação do trabalhador na empresa. Já o NTEP é mais amplo, pois considera inicialmente o NTP (diagnóstico individual - CID) e o dimensiona a partir de sua incidência estatística dentro da Classificação Nacional de Atividade - CNAE. É o caso típico da LER em atividade bancária onde o NTEP encontra-se presente em face do risco potencial da atividade, conforme demonstram as estatísticas das notificações acidentárias.

O NTEP é uma presunção legal (art. 212, IV, CC), do tipo relativa (juris tantum), vez que admite prova em sentido contrário. Na prática significa que há inversão do ônus da prova em prol da vítima; medida jurídica acertada seja porque o trabalhador é hipossuficiente, seja porque é o empregador quem detém aptidão para produzir a prova de inexistência do nexo causal. A impugnação do NTEP pela empresa somente ocorrerá na esfera previdenciária.

Repercussão do NTEP nas ações trabalhistas acidentárias

Em que pese o critério do NTEP ser dirigido ao médico perito do INSS, não há dúvida de que a caracterização de acidente do trabalho nessa instância previdenciária irradia efeitos nas ações trabalhistas de indenização civil acidentária.

Destarte, caso o perito da Previdência Social estabeleça o nexo causal entre o trabalho e o agravo pela verificação de nexo técnico epidemiológio (NTEP), o acidente do trabalho restará caracterizado, devendo ser declarado incontroverso para fins de ação trabalhista indenizatória. Não se ignore que o conceito legal de acidente do trabalho, previsto no art. 19 da Lei 8213/91, aplica-se tanto para fins previdenciários quanto civis e trabalhistas.

Não há dúvida de que a presença de NTEP entre o ramo da atividade econômica (CNAE) e a entidade mórbida motivadora da incapacidade relacionada na CID constitui-se um dos critérios suficientes para fins de enquadramento na hipótese do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Trata-se de critério objetivo, científico e com guarida legal (art. 21-A, Lei 8213/91). Logo, pode-se dizer que em todos os casos em que se presumir que a doença seja ocupacional pela adoção do NTEP, estar-se-á diante de “atividade normal de risco”, aplicando-se a responsabilidade civil do empregador independente de investigação de culpa patronal. Nada mais razoável se considerarmos que esse critério se fundamenta em estatísticas epidemiológicas.

Nessas circunstâncias, o empregador somente se desobrigará da indenização em situações especiais em que ele comprove que a doença (ocupacional), a despeito de estar relacionada com o trabalho, foi adquirida por culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro ou força maior. Mencione-se, como exemplo, o caso de PAIR (perda auditiva induzida por ruído) provocado por dolo do empregado que dissimula o uso adequado do equipamento de proteção individual (EPI). Um caso emblemático ocorreu com um trabalhador que laborava em pátio de aeroporto e que, propositadamente, perfurou o protetor auricular (EPI) a fim de elidir o efeito abafador dos decibéis externos. Não há dúvida que nessa hipótese a culpa exclusiva da vítima exclui a responsabilidade civil do empregador.

Fator Acidentário Previdenciário: uma questão de eqüidade

Além da salutar medida legal que propiciou a inversão do ônus da prova em prol da vítima em decorrência da aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico, o Decreto n. 6.042/07 introduziu o FAP - Fator Acidentário Previdenciário, capaz de agravar ou atenuar o valor contributivo do SAT (Seguro de Acidente do Trabalho) de acordo com o resultado dos dados estatísticos epidemiológicos de cada empresa.

Trata-se da regulamentação de um dispositivo de lei que possibilita a redução (em até 50%) ou o aumento (em até 100%) das alíquotas contributivas de 1%, 2% ou 3%, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva categoria econômica, “apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social” (art. 10 da lei 10.666/03).


Críticas e vantagens do novo sistema

As críticas ao sistema de presunção do NTEP advêm de parcela da classe patronal. Basicamente são duas as mais ouvidas. A primeira é a de que a presunção de doença ocupacional por mera dedução estatística despreza as pré-disposições genéticas da vítima. Não é verdade, pois o médico perito poderá deixar de aplicar o nexo técnico epidemiológico sempre que dispuser de informações e dados circunstanciados e contemporâneos ao exercício da atividade que demonstrem a inexistência do nexo causal, conforme art. 2.º, § 6.º da IN INSS/PRES n.º 16/07. Ademais, à empresa é conferido o amplo direito de contraditório e de impugnação nos termos do § 2.º do art. 21-A, da Lei 8213/91, e § 7.º do art. 337, do Decreto 3048/99.



A segunda crítica trazida pelo patronato é a de que “o aumento de custos com prevenções acidentárias estimula a substituição do trabalho humano pela automação, além de propiciar perda de competitividade da empresa”. Ora, a prevenção de acidente do trabalho é uma obrigação legal existente há décadas para todo empregador. Exegese dos artigos 157, 162 e 200, I, todos da CLT. Mais que isso: a redução de riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança é um direito constitucional de todo trabalhador (art. 7.º, XXII).


Da mesma forma, não é ocioso lembrar que toda a ordem econômica encontra-se fundada na valorização do trabalho humano, tendo por fim assegurar a existência digna de todos, inclusive dos trabalhadores (art. 170 da CF). Portanto, não se trata de “aumentar custos com prevenção”, mas de cumprir a Constituição Federal! Penso que está mais do que na hora da classe empresarial mudar seus conceitos e passar a enxergar o trabalhador não como uma peça de engrenagem ou insumo, mas como gente que respira e tem vida; que por ser humano merece tratamento humanitário.

Por outro lado, o novel sistema de presunção por Nexo Técnico Epidemiológico traz inúmeras vantagens. A primeira delas é o mecanismo justo e flexível de tributação por intermédio da aplicação do FAP- Fator Acidentário Previdenciário. A possibilidade de redução ou majoração da contribuição do SAT estimula as empresa a investirem em prevenção de acidentes.

O NTEP se traduz em mais um dos critérios utilizados para se fixar o nexo causal entre a doença adquirida e o trabalho realizado com a vantagem de estar dissociado do ato de emissão da CAT. Ao contrário dos demais critérios, o NTEP parte de viés estatístico epidemiológico, reduzindo-se assim o número de subnotificações acidentárias perante o INSS. Sendo a doença ocupacional caracterizada com maior facilidade, o trabalhador passa a gozar dos benefícios previdenciários incapacitantes, em especial o auxílio-doença acidentário. A percepção deste benefício (B-91) obriga o empregador a recolher o FGTS do período (art. 15, § 5.º da L. 8036/90), além de facilitar a aquisição de estabilidade de que trata o art. 118 da Lei 8213/91 e o êxito em eventual ação de indenização acidentária perante a Justiça do Trabalho.

José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito pela UFPR; advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; Diretor da Abrat e da Academia Nacional de Direito do Trabalho. neto@dallegrave.com.br.

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