Quando o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) foi criado, em 1967, pelo Decreto-Lei 229 - tendo sido regulamentado em 1972 pela Portaria nº 3237 -, o hoje técnico de Segurança do Trabalho Cosmo Palásio era adolescente. "Eu não tinha a mínima ideia da relação trabalho - doença - morte, embora dentro da minha família convivesse com meu avô que, vítima de acidente de trabalho, havia perdido a ponta de um dedo", recorda. Anos mais tarde, Cosmo se dedicaria à área de Saúde e Segurança do Trabalho e acompanharia, a partir do ano 2000, os debates para a proposta de alteração da Norma que regulamenta o SESMT, a NR 4.
As discussões para a atualização do documento se estenderam por oito anos e o Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), composto por representantes do governo, empregadores e empregados, não chegou a um consenso. Um ano e meio depois da interrupção das discussões de atualização da norma, prevencionistas de todo o país ainda divergem sobre o futuro do serviço no Brasil. Nas próximas páginas você vai conferir opiniões sobre o modelo adotado e, de acordo com quem atua na área de Saúde e Segurança do Trabalho, o que pode ser considerado um SESMT compatível com a realidade laboral do país. As opiniões vão desde inserir a participação dos trabalhadores na gestão do serviço, passando pelo controle do estado sobre a atuação e a qualidade das empresas prestadoras de serviço em SST e a multiprofissionalidade do serviço.
No final dos anos de 1960 e começo dos anos de 1970, os altos índices de acidentes de trabalho no Brasil forçaram o País a definir uma política que responsabilizasse as empresas pela organização de programas de prevenção estruturados, com pessoal capacitado e infraestrutura adequada do ponto de vista técnico. Associado a este cenário, modelos externos de organização de Serviços de Saúde Ocupacional adotados em países como Reino Unido, França, Itália, Espanha, Suécia, Portugal chamavam a atenção tendo também grande influência para o desenvolvimento do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho no Brasil. "Ainda considerando elementos externos que influenciaram na criação do SESMT estão as diretrizes internacionais lideradas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), principalmente a Recomendação nº 112 sobre Serviços Médicos de Empresa, de 1959", aponta o médico do Trabalho René Mendes.
A criação do modelo brasileiro de SESMT já estava previsto desde 1967 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Artigo 164 do Decreto-Lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967 (que alterou o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) determinava que as empresas que, a critério da autoridade competente em matéria de Segurança e Higiene do Trabalho, estivessem enquadradas em condições estabelecidas nas normas expedidas pelo Departamento Nacional de Segurança e Higiene do Trabalho (DNSHT) deveriam manter, obrigatoriamente, Serviço Especializado em Segurança e Higiene do Trabalho, além de constituir Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs). "O mesmo artigo estabelecia que o Departamento definiria as características do pessoal especializado em Segurança e Higiene do Trabalho quanto às atribuições, à qualificação e à proporção relacionada ao número de empregados das empresas", explica Mendes. A regulamentação deste artigo da CLT de 1967 deu-se através da Portaria nº 3237, de 27 de julho de 1972, sendo depois modificada pela Portaria Nº 3.089, de 1º de abril de 1973. "Vale salientar que a Portaria 3237/72 foi antecedida pela Portaria 3236/72, que criava subprogramas, projetos e atividades prioritárias do Programa de Valorização do Trabalhador (PNVT), cuja Meta IV estabelecia a preparação, em dois anos, de quase 14 mil profissionais de nível superior e médio para viabilizar os SESMTs", acrescenta o médico do Trabalho. Em 1978, por meio da Portaria 3.214 é regulamentada a norma que passou a reger esses serviços, a NR 4.
Modelo
O modelo de SESMT previsto pela NR 4 e vigente até hoje, além de determinar que empresas privadas e públicas que mantenham o Serviço com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho, também aponta que o dimensionamento dos serviços especializados estão vinculados à gradação do risco da atividade principal e ao número total de empregados do estabelecimento. As empresas obrigadas a constituir o serviço especializado devem contar com a atuação de profissionais como engenheiro de Segurança do Trabalho, médico do Trabalho, enfermeiro do Trabalho, auxiliar de Enfermagem do Trabalho e técnico de Segurança do Trabalho.
A esses profissionais que integram os SESMTs, ainda conforme a Norma, cabe realizar atividades como aplicar os conhecimentos da área com o objetivo de reduzir até eliminar os riscos existentes à saúde do trabalhador, determinar a utilização, pelo trabalhador, do Equipamento de Proteção Individual (EPI), colaborar nos projetos e na implementação de novas instalações físicas e tecnológicas da empresa, responsabilizar-se tecnicamente pela orientação quanto ao cumprimento do disposto nas NRs aplicáveis às atividades executadas pela empresa e manter permanente relacionamento com a CIPA.
Além disso, também compete aos profissionais do SESMT promover a realização de atividades de conscientização, educação e orientação dos trabalhadores para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; esclarecer e conscientizar os empregadores sobre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; analisar e registrar em documento específico todos os acidentes ocorridos na empresa; registrar mensalmente os dados atualizados de acidentes de trabalho, bem como focar suas atividades essencialmente na prevenção.
Avaliação
A eficácia do modelo, adotado há 32 anos no Brasil, divide a opinião de prevencionistas. Enquanto uns defendem que o Serviço é inadequado e ultrapassado para a realidade laboral atual, outros acreditam que ele atende às necessidades impostas pelo mundo do trabalho. Ainda há aqueles que pensam que o problema não está no modelo do serviço adotado, mas na forma como a Saúde e Segurança do Trabalho é tratada por empregadores e trabalhadores. "O que é inadequado não é o SESMT, mas o fato de a Saúde e Segurança do Trabalho sobreviver no Brasil nas lacunas entre as relações entre o Estado e as organizações, entre estruturas mal dimensionadas e a falta de fiscalização. E, muito especialmente, entre o desencontro da formação e a realidade do trabalho", opina o técnico de Segurança do Trabalho e consultor em SST, Cosmo Palásio.
Visão semelhante tem o presidente da Organização Brasileira das Entidades de Segurança e Saúde no Trabalho e do Meio Ambiente (OBESST), Leonídio Ribeiro Filho. "O modelo é muito bom, o que acontece é uma baixa cultura de prevenção na maioria das empresas aliada à questão do despreparo de muitos profissionais que o lideram, não gerando integração da SST aos negócios da empresa", acrescenta.
Já o assessor de políticas públicas e sociais do Sindicato dos Químicos do ABC/CNQ/CUT e consultor da Federação Internacional dos Sindicatos da Química, da Engenharia e da Mineração (ICEM) na área de segurança química para América Latina e Caribe, Nilton Freitas, defende que o modelo de SESMT está ultrapassado e não dá conta das necessidades que o País tem para fazer frente à questão dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e da gestão de segurança e saúde do trabalhador. "O mundo do trabalho está mais complexo, os desafios mais amplos, e com necessidades diferenciadas das apresentadas nos anos de 1970", chama a atenção.
Data: 09/11/2010 / Fonte: Revista Proteção
Foto: David José Cardoso